Nathan Berkovits explica as supercordas

Categoria: Fisica
Nível: Avançado
Nathan Berkovits explica as supercordas
por: Roberto Belisário
Redator da revista ComCiência

O físico Nathan Jacob Berkovits, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual de São Paulo (IFT/Unesp), é um dos principais pesquisadores no Brasil sobre a teoria das supercordas – segundo ele, a primeira teoria consistente com os dois pilares da Física Moderna: a Mecânica Quântica e a Relatividade Geral. Isso faz dela uma séria candidata a substituir a teoria sobre partículas elementares atualmente usada, o Modelo Padrão, que não incorpora a Relatividade Geral.

Berkovits participou, durante a semana de 5 a 9 de agosto, de um debate virtual sobre supercordas ocorrido na lista de e-mails sobre ciência Ciencialist. Houve a participação de membros da lista e pessoas convidadas, e foi organizado por Luís Roberto Brudna, administrador da lista.

A entrevista que se segue à Introdução abaixo é uma súmula do debate e de uma conversa entre Berkovits e a revista ComCiência. As perguntas foram reordenadas e algumas questões reescritas, a fim de proporcionar uma seqüência lógica e fluente ao debate. Participaram ativamente do debate, além do administrador da lista, Antônio Castro, Roberto Belisário, Roberto Takata, Sérgio Farias e Sérgio Taborda e Neville Mastrocola Martins. As perguntas e respostas originais do debate podem ser encontradas no site da Ciencialist.

1. Introdução: o que são supercordas?

A física moderna consiste basicamente em duas teorias: Teoria Quântica do Campo e Relatividade Geral. O termo “física moderna” opõe-se a “física clássica”, ou seja, a física aceita até o início do século XX. O maior representante da física clássica é a mecânica de Newton.

A relatividade geral é basicamente uma teoria da gravitação, e suas previsões diferem das da física clássica para campos gravitacionais muito intensos (como os próximos a buracos negros, estrelas de nêutrons ou mesmo de estrelas como o Sol) ou dimensões muito grandes (dimensões galácticas ou maiores).

Já a Teoria Quântica do Campo engloba a Mecânica Quântica e a teoria da Relatividade Especial. Pode-se dizer que a primeira trata de fenômenos envolvendo massas e dimensões da ordem das dos átomos, moléculas e partículas subatômicas, e suas previsões em geral diferem das da física clássica para essas situações. Já as previsões da relatividade especial difere da física clássica quando as velocidades envolvidas são comparáveis à velocidade da luz, ou então quando as energias envolvidas extremamente altas comparadas com a massa dos objetos em questão. A formulação atual da Teoria Quântica do Campo, desenvolvida na década de 1970, é denominada Modelo Padrão.

Existem situações onde as duas teorias, a teoria quântica do campo e a relatividade geral, são necessárias: por exemplo, próximo ao momento do Big-Bang. Para isso, é necessário ter-se uma teoria única que englobe consistentemente a teoria quântica do campo e a relatividade geral. Ora, ainda não existe nenhuma teoria comprovada com essa característica. Trata-se, portanto, de um importante problema em aberto na física moderna.

A teoria das supercordas é uma possível candidata a solução desse problema, pois engloba consistentemente as duas teorias. Mas suas previsões experimentais ainda não foram comprovadas.

As supercordas – Nessa teoria, as partículas elementares não são objetos “pontuais”, como se considera no Modelo Padrão, mas sim estruturas unidimensionais, chamadas “cordas”. O “super” de “supercordas” vem de um aspecto matemático da teoria chamado “supesimetria”. Na teoria, todas as partículas conhecidas – elétrons, quarks, neutrinos – são a mesma corda, vibrando de diferentes modos. Os modos de vibração da corda definem se ela é um elétron, um fóton, um gráviton, etc.

A teoria, portanto, reduz drasticamente o número de entidades elementares constituintes da matéria: enquanto no modelo padrão há dezenas delas (elétrons, neutrinos, quarks, fótons, grávitons, etc.), na teoria das supercordas todas podem ser consideradas diferentes manifestações de um único tipo de corda.

Uma das previsões da teoria é a existência de toda uma classe de novas partículas elementares, ainda não descobertas, chamadas partículas supersimétricas. A cada partícula conhecida corresponde um par simersimétrico: ao elétron, o “selétron”, ao fóton, o “fotino”, etc. Avalia-se que as massas dessas partículas, entretanto, são grandes demais para a produção dos aceleradores de partículas atualmente em operação (quanto maior a massa de uma partícula, mais difícil de ela ser produzida nos aceleradores). Gerações futuras de aceleradores poderão confirmar ou refutar essa previsão.

Outra característica marcante da teoria é a existência de 9 ou 10 dimensões para o espaço, além das três já conhecidas. Supõe-se que as 6 ou 7 dimensões adicionais encontrem-se “enroladas”, de forma a reduzi-las, no nível observacional, a três – de forma análoga a um papel bidimensional tão bem enrolado que torna-se semelhante a uma linha unidimensional. Por isso, o mundo nos pareceria com apenas três dimensões de espaço.

Nathan Jacob Berkovits, entrevistado abaixo, é conhecido por ter desenvolvido, em 2000, um formalismo matemático chamado “teoria dos spinores puros” que facilita bastante os cálculos para a teoria para uma grande classe de problemas. Na entrevista, Berkovits aborda alguns “mitos” muito difundidos sobre a teoria, como o de que ela não produz nenhum resultado experimentalmente testável ou que pode sempre ser encarada como uma “teoria de tudo” (o próprio Berkovits não acredita em uma teoria que dê conta de todas as forças fundamentais da Natureza).

2. O debate

Pergunta: Por que cordas? Por que não outro objeto?

Berkovits: Cordas são objetos unidimensionais e os modos de vibração de objetos unidimensionais são discretos. Para cada modo [de vibração], você tem uma partícula. Se você tenta representar as partículas como modos de vibração de objetos bidimensionais, tridimensionais, etc., você encontra o problema de os modos de vibração serem contínuos. Então, você teria que ter partículas com massas contínuas. Por exemplo, se o elétron é um modo e o fóton é outro, você teria que ter um tipo de partícula que estaria continuamente entre um fóton e um elétron. Seria um tipo de “lobo-homem”, que não é permitido para uma partícula fundamental.

Pergunta: As supercordas e suas vibrações seriam apenas entidades matemáticas ou devem ser supostas como estruturas “reais”?

Berkovits: A supercorda é uma estrutura tão real quanto um elétron. Estou sempre usando a palavra vibração com o significado usual. Por exemplo, a vibração é a mesma vibração de uma corda de violino.

A teoria, as forças e as partículas

Pergunta: Como a gravidade e as outras forças são tratadas na teoria das supercordas?

Berkovits: A gravidade é tratada com uma troca de cordas. O tratamento é parecido com a troca de partículas – mas, quando você faz as contas, você descobre que, se você trata a gravidade como troca de partículas [tradicionais], ela tem singularidades “não-renormalizáveis” [incômodas quantidades infinitas que aparecem nos cálculos]. Já se você trata a gravidade como uma troca de cordas, as singularidades somem.

Pergunta: E as outras interações?

Berkovits: São tratadas como troca de cordas. O tipo de interação depende do modo de vibração da corda que esta sendo trocada.

Pergunta: Como a teoria das supercordas trata efeitos como o spin, o efeito túnel e o princípio da indeterminação de Heisenberg?

Berkovits: O modo de vibração da corda determina o spin da partícula. Por exemplo, o fóton (que tem spin 1) corresponde a um tipo de vibração e o elétron (que tem spin 1/2) corresponde a outro tipo. Já o efeito túnel o princípio da indeterminação são tratados da mesma forma que na mecânica quântica usual. A teoria das supercordas está construída supondo que as teorias de mecânica quântica e da relatividade restrita são válidas.

Pergunta: As cordas têm uma dimensão, mas a teoria das supercordas aceita a existência de entidades (“branas”) de mais dimensões – bi-, tridimensionais, etc. Há a possibilidade da existência de objetos físicos correspondentes a essas branas?

Berkovits: Sim, mas as vibrações das branas não correspondem somente a partículas fundamentais.

Perguntas: Que propriedades teriam tais entidades?

Berkovits: Para os casos estudados até agora (por exemplo, as membranas bidimensionais), as vibrações correspondem a sistemas com mais de uma partícula. Por exemplo, um tipo de vibração da membrana corresponde a duas partículas, outro tipo de vibração corresponde a três partículas, etc. Embora a massa de uma partícula fundamental não possa ser contínua, a massa de um sistema de partículas pode. Então a correspondência entre vibrações de objetos multidimensionais e estados com várias partículas é consistente com a mecânica quântica.

As supercordas e as GUTs

Pergunta: Tem se falado bastante sobre a teoria das supercordas de uns anos para cá, apesar de ela ser muito mais velha do que isso. Uma das coisas que sempre se comenta é a complexidade proverbial dos cálculos nela envolvidos. Há alguma razão específica para os cálculos serem tão complexos, ou há uma mitificação disso?

Berkovitz: Os cálculos não são complicados, complicado é usá-los para predizer algum tipo de resultado experimental. Não são mais complicados que cálculos de outras toerias sobre partículas – por exemplo, a eletrodinâmica quântica [a teoria quântica do eletromagnetismo]. A diferença é que os cálculos [com supercordas] são mais relevantes quando as energias são altas. Todo o problema é usar esses cálculos feitos para energias altas para obeter informação para energias baixas.

Pergunta: Até alguns anos atrás, falava-se muito sobre as Teorias da Grande Unificação, ou GUTs, em jornais e livros de divulgação. Parece que, de lá para cá, as pessoas quase pararam de falar sobre as GUTs e passaram a comentar muito sobre supercordas. Isso acontece só na mídia ou reflete algum movimento na comunidade científica?

Berkovitz: As GUTs são teorias que vão além do Modelo Padrão [a teoria sobre física das partículas aceita atualmente]. A teoria das supercordas seria, assim, um tipo de GUT. Um problema das GUTs é que elas admitem muitos modelos. Dependendo de qual se usa, há predições diferentes. Toda a motivação para se estudar as GUTs é explicar por que o Modelo Padrão tem esta forma, este tipo de modelo e não outro. Mas, se você muda a GUT, você muda o tipo de Modelo Padrão que você vai obter. Então, em algum sentido, as pessoas se cansaram de tentar descobrir qual GUT é melhor.

Pergunta: Há outras teorias consistentes que reúnem a mecânica quântica e a relatividade geral, além das supercordas?

Berkovits: Não, ao menos não no sentido convencional. Existem várias tentativas para se reunir as duas teorias, mas a maioria dos físicos acredita que a teoria das supercordas é a única que conseguiu. É claro que existe uma minoria de físicos que acreditam que outras teorias também conseguiram.

Teoria e experiência

Pergunta: Outra coisa que se comenta é que a teoria das supercordas não oferece previsões testáveis na prática. Isso é verdade?

Berkovits: Não. Ela oferece previsões testáveis. Mas, infelizmente, as previsões mais precisas exigem experiências envolvendo energias que ainda não foram alcançadas nos aceleradores.

Pergunta: Que experimentos poderiam ser feitos para testar a teoria?

Berkovits: Uma previsão que pode ser verificada logo é a existência da supersimetria, uma simetria que relaciona férmions e bósons [as partículas elementares são divididas em dois tipos: férmions, como o elétron, e bósons, como o fóton]. Embora a existência da supersimetria não prove que a teoria está certa, ela seria uma evidência forte.

Pergunta: Há outras possibilidades de se testá-la?

Berkovits: Sim, mas a evidência não necessariamente virá dos aceleradores. Por exemplo, as energias onde a teoria das supercordas pode ser testada foram alcançadas no universo cedo [pouco depois do Big-Bang]. Então, os dados sendo medidos por astrônomos sobre o universo cedo eventualmente podem ser usados para testar a teoria. Neste momento, os estudos teóricos não são desenvolvidos o suficiente para analisar os dados. Mas existem varios teóricos estudando as conseqüências da teoria das supercordas para o universo cedo, e talvez logo haja predições testáveis.

Pergunta: O sr. está falando das medidas das flutuações na radiação cósmica de fundo, feitas por grupos como Cobe e Boomerang?

Berkovits: Sim, por exemplo. Mas repito que ainda não temos predições confiáveis da teoria das supercordas para comparar com esses dados.

Pergunta: E quanto a dados já conhecidos, tais como as massas das partículas, já existem resultados numéricos calculados com a teoria que coincidam com alguns deles?

Berkovits: Embora alguns fisicos achem que sim, os resultados numéricos dependem muito de quem está fazendo o cálculo; então, eles não são confiáveis. Como falei antes, o problema até agora é que os dados conhecidos geralmente envolvem energias baixas, onde é difícil extrair predições precisas da teoria. Mas talvez logo tenhamos dados experimentais (ou dos aceleradores ou do universo cedo) que envolvam energias onde a teoria é melhor compreendida.

Pergunta: Há lacunas teóricas?

Berkovits: A maior lacuna é tirar predições para energias baixas do modelo. Mas também existem várias maneiras para testar se a teoria é auto-consistente. Por exemplo, neste momento, as pessoas não sabem se é possível ter uma “constante cosmológica positiva” na

teoria. Evidências cosmológicas recentes sugerem que nosso universo tem uma constante cosmológica positiva; então existirá um problema possível se a teoria não admitir isso e se a evidência for confirmada.

Pergunta: Sem tais evidências experimentais, como é que se dá a relação entre teóricos e experimentais?

Berkovits: O problema é que os teóricos estão um pouco “cegos”… Porque, normalmente, tem-se uma experiência que dá resultados novos e depois vêm os teóricos tentando explicar a experiência. [Porém], na época atual não tem isso [as experiências], então é preciso descobrir qual é o modelo mais elegante. E as supercordas são o modelo mais elegante. Mas até agora não há muito mais evidências para as supercordas do que para as outras GUTs.

Pergunta: O que significa dizer que a teoria das supercordas é mais “elegante” que as outras GUTs?

Berkovits: Por exemplo, que ela tem menos parâmetros. O Modelo Padrão tem 19 paâmetros – a massa do elétron e outros. Se você os muda, mudam as predições da teoria. Assim, uma maneira de se “medir” elegância é determinar quantos parâmetros livres [a teoria] tem – ou seja, quais informações eu preciso para dizer que esta é a teoria [para caracterizar a teoria]. Em algum sentido, as supercordas têm menos parâmetros. (…) As supercordas começam só com o fato de as partículas terem uma dimensão adicional. Então, neste sentido, é uma teoria mais básica, tem menos parâmetros que você pode fixar. Essa é uma maneira para se medir elegância.

Pergunta: Que outras maneiras existem?

Berkovits: Outra maneira [vem do fato de que] a teoria talvez não tenha sido desenvolvida para descrever o modelo padrão, foi-o por outra razão. No começo da teoria das supercordas, os cientistas nem sabiam que ela iria descrever a gravitação. Num certo sentido, a teoria existe e as pessoas estão só investigando-a. Já outros modelos, foram criados exatamente para explicar alguns fenômenos: são modelos fenomenológicos, existem essencialmente só para descrever o fenômeno para o qual foram desenvolvidos para descrever. As supercordas não têm esse tipo história. Essa teoria foi desenvolvida para fazer outra coisa e, investigando-a, as pessoas descobriram, por exemplo, a gravitação quântica. As pessoas, quando estão investigando o modelo, não sabem onde o caminho vai chegar. Talvez nesse sentido seja elegante.

Teorias de tudo e as dimensões extras

Pergunta: Já que as supercordas não vêm de observações experimentais que a tornem necessária, o que motivou as pessoas a pesquisá-la durante tanto tempo?

Berkovits: A razão para investigar cordas veio praticamente por acidente. A idéia de que uma partícula tem uma dimensão, que não é pontual, não é tão nova, já existe há muito tempo. Mas as conseqüências deste fato só foram investigadas nos últimos 30 anos. Nos anos 70, [Gabriele] Veneziano, um italiano, propôs um tipo de fórmula para descrever espalhamento [colisões] de partículas. Depois, as pessoas perguntaram: “OK, a sua fórmula tem essas propriedades, mas de onde ela vem?” Descobriram que veio de uma teoria de cordas. Depois, investigaram quais outras propriedades as cordas têm que ter. Descobriram que tem que ter supersimetria, etc., etc. Isso foi deduzido nos anos 80. Depois, nos 90, tinha essa coisa da dualidade – descobriram que várias teorias de supercordas que pensavam serem diferentes eram, na verdade, a mesma teoria. Então, até agora, a razão para se estudar cordas é mais para consistência teórica, pois ela descreve a gravitação de uma maneira consistente com a Mecânica Quântica. Não existe outra toeria que faz isso, a teoria mais natural para se usar é a das cordas. Agora, se você quer estudar, por exemplo, o Modelo Padrão, aí é outra coisa: o Modelo Padrão, embora possa vir das supercordas, pode vir também de outras coisas.

Pergunta: A impressão geral é que, permeando os desenvovimentos teóricos recentes na física das partículas, existe, por alguma razão, a concepção de que deve existir uma toeria única que descreva toda a Natureza… Qual a sua opinião?

Berkovits: Isso é um sonho… Eu, pessoalmente, não acho que exista uma teoria única. Talvez exista, mas a probabilidade, acho, é muito pequena. Agora, se você quer uma teoria que descreve Relatividade Geral e Mecânica Quântica, que são teorias bem sucedidas, acho que é razoável ter-se uma teoria consistente com as duas. E, até agora, as supercordas são a única teoria que tem essa propriedade. Acho que essa é a motivação mais essencial.

Eu sou uma pessoa… Mas acho que é pouco provável que, por exemplo nesse século, venhamos a descobrir todas as leis da natureza. Acho que sempre houve esse sonho – desde cinco séculos atrás já havia esse sonho de descobrir qual é a fórmula que descreve tudo. Acho que é um sonho, mas não é um sonho muito real.

Pergunta: Você acredita em um universo com 10 ou 11 dimensões?
Berkovits: Existe a possibilidade que a teoria de supercordas seja somente um modelo da gravidade que inclui consistentemente efeitos quânticos. Esta seria a opção pessimista. A opção otimista é que ela também descreve todas as outras forças da natureza. Ainda não existe muita evidência para a opção otimista, mas talvez tenhamos evidência indireta nos próximos anos usando os resultados dos aceleradores. Se a opção otimista fosse verificada por experiências, eu acreditaria em um universo com 10 (ou 11) dimensões. (A escolha entre 10 ou 11 depende de ponto de vista, porque na teoria das supercordas, a dimensao 11 faz o papel de constante de acoplamento e não é interpretada como uma dimensão espacial.) Neste momento, acho a opção pessimista mais provável. Então, não acredito que o universo tenha 10 (ou 11) dimensões.

Pergunta: A opção otimista já foi implementada? Quer dizer, já existe uma versão da teoria das supercordas que englobe todas as forças fundamentais?

Berkovits: Já existem versões consistentes da teoria das supercordas que contêm todas as forças da natureza. O problema é que também existem versões consistentes da teoria que não contêm todas as forças. Neste momento, a única força que necessariamente está incluída na teoria é a gravitação. Talvez no futuro possamos deduzir quais outras forças tenham que ser necessariamente incluídas na teoria, mas neste momento não está claro como fazer isso.

Pergunta: A existência dessas dimensões espaciais, além das três conhecidas, não implica numa violação da conservação da energia? Ou seja, enquanto a energia transita por algumas dessas dimensões adicionais, ela estaria ausente do universo observável, o que equivaleria a burlar momentaneamente o princípio da conservação da energia…?

Berkovits: A resposta à sua pergunta é sim. Em princípio, poderíamos observar as novas dimensões pela violação da conservação de energia em quatro dimensões. [Representemos essa energia por] “E4”. Mas a energia fica conservada se fosse medida incluindo as velocidades em todas as dimensões. [Representemos a energia medida assim por] “E11”. (…) Entao é mais apropriado chamar E11 de energia (o que mantém o princípio de conservação da energia) do que E4 (o que violaria o princípio).Um fato importante é que, se supusermos que as sete dimensões adicionais são microscópicas, as partículas com componentes diferentes de zero nessas dimensões terão massas muito maiores do que as partículas até agora detectadas em aceleradores. (…) Se pudermos criar partículas com massas suficientemente grandes nos aceleradores, poderemos medir a violação da conservação da energia E4.

Pergunta: Há alguma razão especial para todas essas teorias, desde a relatividade geral, terem diferentes números de dimensões espaciais, mas uma só de tempo?

Berkovits: Embora você possa construir teorias com mais que uma dimensão temporal, elas não seriam consistentes com a mecânica quântica. A mecânica quântica pode ser formulada com qualquer número de dimensões espaciais, mas ela precisa ter somente uma dimensão temporal.

Pergunta: Até alguns anos atrás, havia cinco versões para as teoria das supercordas, o que era um tanto incômodo; porém, foi demonstrado que essas versões eram apenas versões diferentes de uma única teoria mais ampla, com 10 ou 11 dimensões para o espaço-tempo, a que se chamou Teoria M. Entretanto, agora existe também a teoria F, uma versão de 12 dimensões. A existência das duas teorias M e F pode ser encarada como um problema análogo ao que se tinha antes da teoria M? É possível que venham a ser englobadas em outra maior, como aconteceu com a M?

Berkovits: O nomes diferentes geram uma confusão. A idéia que surgiu nos anos 90, e que já foi verificada, é que existem várias maneiras de descrever a mesma teoria. O número de dimensões da teoria depende do ponto de vista. Por exemplo, as 5 teorias de supercordas [que você mencionou] existem em 10 dimensões, mas todas essas cinco teorias contêm uma partícula chamada “dilaton”, que mede a constante de acoplamento [parâmetro que determina a intensidade da forças fundamentais] da teoria. Já a teoria M existe em 11 dimensões e não tem o dilaton. Mas foi mostrado que, se a dimensao 11 fosse um círculo de raio R, o raio R pode ser reinterpretado como a constante de acoplamento de uma teoria em 10 dimensões. Esta teoria em 10 dimensões é uma teoria das supercordas. A teoria F, por sua vez, existe em 12 dimensões. Agora, se a dimensao 11 fosse um círculo de um certo raio e a dimensão 12 fosse um círculo com um outro raio, os dois raios poderiam ser reinterpretados como o dilaton e uma outra partícula, chamada “áxion”. Então, a teoria F também está relacionada com uma teoria das supercordas. Assim, todas essas descricões com dimensões diferentes estão descrevendo a mesma teoria. A descrição que você usa depende de se você interpreta uma partícula como uma dimensão espacial ou uma constante de acoplamento. Pode também haver outras descrições da teoria (além da M e da F), que ainda não foram desenvolvidas.

O formalismo com spinores puros

Pergunta: Poderia falar um pouco sobre o “formalismo com spinores puros”? Sua importância, eventuais desdobramentos…

Berkovits: O formalismo que desenvolvi para descrever a supercorda foi baseado nos formalismos anteriores, mas ele tem a vantagem de preservar mais “simetrias” da teoria. A teoria das supercordas tem as simetrias de rotação e “boosts” de Lorentz, mas também tem supersimetria, que é uma simetria que relaciona bósons e férmions (as partículas são divididas em dois tipos: bósons e férmions. Fótons e grávitons são exemplos de bósons. Elétrons e quarks são exemplos de férmions). Meu formalismo consegue preservar todas essas simetrias, o que não foi possivel usando os formalismos anteriores. O formalismo é útil para fazer cálculos ou descrever a teoria em situações onde a supersimetria é importante. Por exemplo, o formalismo é útil para descrever a supercorda em situações onde bósons e férmions estão interagindo.

Pergunta: Desde 2000, a data da publicação desse seu trabalho, houve algum desdobramento interessante?

Berkovitz: Há aplicações teóricas. Dependendo de qual problema está se tentando estudar, pode haver vantagens ou desvantagens [no uso do meu formalismo]. Se as pessoas querem estudar supersimetria, o meu formalimso tem vantagem sobre os outros. Agora, dependendo de qual tipo de cálculo estão tentando fazer, usam uma descrição ou outra. Por exemplo, existe uma coisa chamada “conjectura de Maldacena”, que relaciona alguns aspectos de cordas com interações fortes (dos quarks). Para estas relações entre cordas e interações fortes, a supersimetria tem papel importante. Por isso, é muito difícil estudar essa relação usando as descrições anteriores. Algumas pessoas estão tentando usar o meu formalismo para estudar essa conjectura.

Pesquisa básica

Pergunta: A pesquisa básica costuma render dividendos – a mecânica quântica, por exemplo, levou à invenção do transístor. Porém, no caso de uma teoria como a das supercordas (entre várias outras), sem qualquer possibilidade de aplicação prática, qual a justificativa para se investir dinheiro e cérebros em pesquisas nessa área?

Berkovits: A resposta já está contida na sua pergunta. Quando a mecânica quântica foi desenvolvida, ninguém imaginou que ela teria conseqüências como a invenção do transístor. Era uma construção matemática que ajudou a entender alguns fatos que não concordaram com o modelo clássico do seculo XIX. Neste momento, temos alguns fatos (por exemplo, gravitação na escala subatômica) que não concordam com as teorias do século XX. Nao sei se surgirão invenções como o transístor da teoria das supercordas em 50 anos, mas a teoria já afetou várias outras áreas da física teórica. Se a teoria realmente descreve nosso universo, com certeza ela terá conseqüências para as áreas mais aplicadas da física.

Pergunta: E no caso do Brasil?

Berkovits: Existe uma falta de tradição em ciência no Brasil. Por alguma razão, os brasileiros (diferentemente, por exemplo, dos argentinos) pensam que ciência boa somente pode ser feita no exterior. Esta falta de tradição desestimula os alunos bons a estudar ciência. A motivação para estudar ciência (e especialmente física teórica) vem da curiosidade sobre nosso Universo, e não do desejo de inventar alguma coisa. Com certeza, não seria bom se todos os alunos bons entrassem na área de física teórica. Mas é importante para o aluno brasileiro saber que, se ele tiver as qualificações necessárias, será possível estudar física teórica num nível elevado dentro do seu país.

Pergunta: Qual seria o melhor caminho para um estudante de pós-graduação em física aprender a teoria das supercordas?

Berkovits: Existem dois livros excelentes para alunos de pós-graduação em fisica que querem estudar supercordas. Um é do Polchinski (String Theory, vol. 1 e 2, Cambridge University Press) e um de Green, Schwarz e Witten (Superstring Theory, vol. 1 e 2, Cambridge University Press). Os dois livros supõem conhecimento básico de teoria quântica de campos e relatividade geral; por exemplo, conhecimento no nível de um mestrado em física.
Baseado em:Debate com Nathan Berkovits na Ciencialist

12 comentários

  1. Saulo abr 8, 2006
  2. Cléo ago 11, 2006
  3. Cesar Alvarenga ago 12, 2006
  4. giba set 12, 2006
  5. Valdir Harutunian jan 23, 2007
  6. Valdir Harutunian jan 23, 2007
  7. ronaldo burla set 5, 2007
  8. Antonio Martini Jr. set 23, 2007
  9. Daniel out 14, 2007
  10. G. G. da Silva maio 22, 2008
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  14. Antonio Martini Junior jan 19, 2012

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